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RETORNO DO VOTO DE QUALIDADE DO CARF: REFLEXO DAS DISTORÇÕES DO NOVO GOVERNO FEDERAL

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Em 12 de janeiro, semana passada, o Ministro da Fazenda anunciou diversas medidas no que concerne ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que vão desde: (i) a suspensão das sessões de julgamento em curso, (ii) a substituição do Presidente do Tribunal, assim como (iii) a reinstituição do “voto de qualidade” para o desempate nas discussões, esta última medida veiculada por meio da Medida Provisória (MP) nº 1.160/2023.

Assim, os Presidentes das Turmas de julgamento (sempre fazendário) terão, novamente, o poder de desempate, ou seja, foi reestabelecido o poder de decidir o resultado da votação, nas situações em que não se forme maioria. Abaixo focaremos nossa opinião apenas quanto à reinstituição do “voto de qualidade” e teceremos comentários sobre o equivocado reestabelecimento.

Princípios desconsiderados pelo atual Governo Federal:

República x Federação x Igualdade

Da leitura da Exposição de Motivos do Ministério da Fazenda, depreende-se que a modificação promovida pela Medida Provisória teria sido realizada por, supostamente, o desempate automático a favor do contribuinte ter provocado uma reversão do entendimento do Tribunal em grandes temas tributários que acarretaria na perda de cerca de R$ 59 bilhões (cinquenta e nove bilhões de reais), por ano. O “motivo”, no entanto, não se sustenta em nenhum viés constitucional.

Geraldo Ataliba, em sua obra República e Constituição, esclarece que república e federação contemplam os princípios fundamentais e embasadores de todo o ordenamento jurídico, inclusive da Constituição Federal, que influem, de forma determinante, na interpretação dos demais princípios e regras constitucionais.

Por federação, temos a associação de Estados para a formação de um novo Estado, o federal, com a repartição rígida de atributos da soberania entre eles, de modo que cada qual possui supremacia a autonomia em sua esfera (Pacto Federal).

O princípio republicano, por sua vez, funciona como alicerce de toda a estrutura constitucional. Tem por característica a tripartição do exercício do poder, bem como pela periodicidade dos mandatos políticos, com as respectivas responsabilidades dos mandatários.

Dessa maneira, é possível concluir que a federação é uma decorrência necessária, no sistema brasileiro, do próprio regime republicano. Tanto que, desde sua origem, surge como regime “republicano federativo”. Dentre seus principais princípios está o da igualdade, isto é, não deve haver privilegiados, sendo certo que este é um princípio amplo, basilar e deve ser respeitado por todos e nas mais diversas situações.

O que se quer afirmar é: deve ser respeitado e seguido por cidadãos, julgadores, governantes etc.

Portanto, nota-se que o atual governo desrespeitou a lei fundamental do país: a Constituição Federal, visto que tal Medida violou princípios fundamentais, tais como: republicano, federativo e da igualdade evidenciando o retorno do voto duplo em favor da fazenda em caso de empate que, nada mais é, o resultado de uma incerteza por parte dos julgadores – ignorando, por via de consequência, o in dubio pro reo.

Legalidade e devido processo legal

Importante lembrar que o princípio da legalidade contempla fonte de produção primária de normas tributarias abaixo tão somente da Constituição Federal, sendo o principal instrumento de garantia da justiça social relacionada com a segurança jurídica dos cidadãos assumindo grande relevância e se configura como uma reserva absoluta de lei formal.

As Medidas e as Leis Delegadas podem veicular normas jurídicas tributarias. Entretanto, não possuem aptidão jurídica nem para criar, nem para aumentar tributos. As Medidas Provisórias, por óbvio, não são Leis, mas sim atos expedidos pelo Presidente da República, apenas em caso de relevância e urgência, restando vedada a edição de MP sobre determinadas matérias, como: direito penal e processual civil.

O que a MP em questão fez foi reestabelecer sistema de voto duplo, o qual é totalmente parcial e favorável aos interesses arrecadatórios da União, afrontando a imparcialidade – inerente aos princípios da legalidade e da moralidade.

Desde a sua formação, o Estado Democrático de Direito tem por objetivo assegurar e prover aos seus cidadãos a efetiva garantia dos direitos fundamentais, impondo limites ao Poder Estatal de forma a garantir a segurança jurídica nas relações entre os indivíduos.

Nesse sentido, o devido processo legal, contraditório e ampla defesa são instrumentos concedidos às partes e a sua utilização é viabilizada, dentre diversas hipóteses, por meio da segunda instância administrativa em matéria tributária, a qual compreende garantia constitucional, razão pela qual deve ser preservada.

Originalmente, o devido processo legal surgiu no âmbito penal com caráter eminentemente processualístico. Contudo, tal expressão foi se modificando ao longo do tempo de modo a viabilizar uma interpretação elástica, sempre almejando proteger direitos fundamentais dos indivíduos.

Com efeito, o devido processo legal, em seu aspecto material, se manifesta em todos os campos do direito. No direito administrativo, por exemplo, o princípio da legalidade é uma manifestação do aspecto substantivo do devido processo legal, embora com outra roupagem; assim como a autonomia da vontade no direito privado. Portanto, o devido processo legal material contempla a imperiosidade de produção correta da lei, juntamente com a razoabilidade e compatibilidade com os preceitos constitucionais.

Tais conceitos e princípios são fundamentais para entendermos que:

Conclusões

O CARF, por contemplar órgão de Estado, deveria, justamente por este motivo, assegurar os princípios constitucionais básicos, não podendo ficar submetido à conveniência de políticas de governo.

Ademais, ao contrário do quanto exposto na exposição de motivos, o critério de desempate não garante, de forma alguma, aumento de arrecadação. Este sequer é o objetivo e fundamento da existência do Tribunal administrativo.

Outro ponto a destacar contempla o fato de que o contribuinte que se sentir lesado após decisão terminativa do CARF, poderá se socorrer ao Poder Judiciário. Logo, o julgamento, mesmo que na última instância do procedimento administrativo, não será a última instância da discussão em matéria tributária o que tende a aumentar a litigiosidade, uma vez que levará à judicialização de casos que hoje se encerram na fase administrativa.

Igualmente importante mencionar que um dos motivos para o enorme número do contencioso tributário diz respeito à complexidade do próprio sistema tributário e da obscuridade legislativa que, inevitavelmente, leva os contribuintes acionarem a esfera administrativa – por meio de consultas – ou judicializar o tema desde o princípio de forma a preservar seus direitos.

Finalmente, apesar de ter havido menção, pelo Ministro da Fazenda, de que o CARF teria decidido contra a Fazenda Nacional em teses favoráveis a ela perante o Poder Judiciário, relevante esclarecer que tal afirmação, de maneira alguma, prospera. Na verdade, o que ocorre é o oposto. Mesmo havendo teses já pacificada pelo Poder Judiciário a favor dos contribuintes, o CARF insiste em manter autuações indevidas – o que não coaduna com o objetivo central do ordenamento juridico que é manter segurança jurídica.

Portanto, o retorno do voto duplo em favor da fazenda representa verdadeiro retrocesso, assim como representa manobra do governo que distorceu informações, tudo isso culminando em grande desrespeito a nossa Constituição Federal.

Gostou do tema? Continue nos acompanhando e fique por dentro das atualizações tributárias.

Qualquer dúvida o time do Molina Advogados está à disposição.

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